Para viver em áreas de assentamento no sul do município de
Lábrea (a 702 quilômetros de Manaus) não basta querer ter um pedaço de terra. É preciso valentia para enfrentar ameaças de madeireiros ilegais, grileiros de terra, pistoleiros e até mesmo ex-colegas que passaram para o outro lado. Quem não aceita as condições impostas ou é assassinado ou perseguido e expulso.
Nos assentamentos, muitos deles já regularizados pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), não há escolas, postos de saúde, policiamento. Sequer há energia elétrica. O programa Luz Para Todos nunca chegou nestas áreas.
“Uma vez o pessoal do Luz para Todos nos disse que se recusava ir para lá porque se trata de uma área de conflito”, comenta Francisneide Lourenço, coordenadora da Comissão Pastoral da Terra (CPT), o principal porta-voz das inúmeras famílias de extrativistas pequenos agricultores que moram nos assentamentos e reservas.
Conforme Francisneide, a ausência do Estado facilita a instalação de poder paralelo nos mesmos moldes do narcotráfico. “Este poder faz estradas, transporta produtos e pessoas, mas também exige silêncio e obriga os agricultores familiares a extrair madeira”, diz a coordenadora da CPT.
Os assentamentos mais visados são o Projeto de Desenvolvimento Sustentável (PDS) Gedeão, localizado dentro da gleba federal Iquiri, e o Projeto de Assentamento Florestal (PAF) Curuquetê. Em Gedeão vivia a pequena agricultora Nilcilene Miguel de Lima, desde o ano passado ameaçada de morte. Até o último dia 19 ela vinha recebendo escolta da Força Nacional de Segurança. Nilcilene foi enviada para destino ignorado. Em Curuquetê vivia Adelino Ramos, assassinado há quase um ano, em Rondônia.
Audiência
A briga para dar uma solução para os conflitos no sul do Amazonas não é de hoje, mas somente agora algumas ações (embora tímidas) começam a se concretizar. A Secretaria Nacional de Direitos Humanos da Presidência da República já confirmou para junho a realização de uma audiência pública em Manaus. A SDH quer cobrar as autoridades estaduais uma ação mais efetiva para a área. A Comissão de Direitos Humanos da Câmara Federal, por meio da deputada Janete Capiberibe (PSB/AM) também confirmou a realização de uma audiência, embora ainda sem data.
As audiências são realizadas em boa hora, segundo Francisneide, porque é o governo do Amazonas também precisa assumir medidas preventivas e emergenciais para as áreas de conflito.
“O que estamos vendo é que os órgãos estaduais estão muito a vontade cobrando apenas o governo federal.Mas eles estão omissos pois a responsabilidade também é deles. O Estado é totalmente ausente e inoperante e não tem vontade política de tentar resolver e coibir o desmatamento e tráfico de madeira e a grilagem de terra”, salientou.
Uma das mais recentes pressões contra a ausência de uma ação estadual na área vem sendo realizada pela Anistia Internacional, que iniciou em setembro uma campanha internacional.
Anistia
“Até agora nada foi feito. Na última reunião que tivemos com o Ouvidor Agrário Gercino Silva Filho no dia 24 de abril deste ano, o Delegado do Gabinete de Gestão Integrada, Dr. Frederico, disse que houve uma ação chamada “Paz no Sul de Lábrea”, mas ninguém do município tem conhecimento dessa ação. O Dr. Frederico prometeu encaminhar o relatório para acompanharmos o que tinha sido feito e até o presente momento não nos foi enviado”, disse.
Uma das mais recentes pressões contra a ausência de uma ação estadual na área vem sendo realizada pela Anistia Internacional, que iniciou em setembro uma campanha internacional.
Até o momento, a CPT do Amazonas já recebeu 75 cartas de vários países da Europa e Estados Unidos com cópias para o Governador Omar Aziz e o Ministério da Justiça.
Luz Para Todos
Questionado sobre a ausência do Luz para Todos nos assentamentos do sul de Lábrea, o diretor de geração e operação para o interior do Amazonas, Radyr Gomes disse que a Amazonas Energia tem um levantamento para iniciar um “programa em andamento” de instalação de energia elétrica para a região.
Ele disse tratar-se de uma “área de conflito que precisa ser regularizada pelo Incra para poder ser atendida”. Informado de que as áreas já são assentadas, ele afirmou, então, que iria “se inteirar do processo para dar uma atenção especial”. “Precisamos priorizar essas áreas mais críticas”, comentou.
Radyr, que até pouco tempo atrás foi gerente do Programa Luz para Todos no Amazonas, afirmou que é o Amazonas também precisa fazer uma negociação com as concessionárias de energia de Rondônia e do Acre, já que a área está na fronteira dos três Estados.
A superintendente do Incra, Maria do Socorro Feitoza, confirmou que não o Luz Para Todos não chegou nos assentamentos. Segundo ela, a situação fundiária não condiciona a instalação do abastecimento de energia.
Ipaam
O Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas (Ipaam) vai implantar escritórios ainda neste semestre nos municípios de Boca do Acre e Humaitá, vizinhos de Lábrea, segundo o superintendente do órgão, Antônio Stroski. Conforme o superintendente, os escritórios vão ajudar nas ações que o órgão já vem realizando em conjunto com o Ibama e nas operações de fiscalização dos licenciamentos de manejo.
Segundo dados do Ipaam, em 2011 o órgão realizou sete missões no sul do Amazonas em 80 dias de operação. Fez 14 autos de infração no valor de 6,9 milhões, oito apreensões e quatro embargos, além de apreender 640 metros cúbicos de madeira.
Quando aos planos de manejo em Lábrea, há no Ipaam 11 processos formalizados em 2011. Nove possuem autorização prévia de análise fundiária. O órgão informa que todos os Planos de Manejo passam por vistoria “in loco” no processo de licenciamento e de renovação de licença e são monitorados pelo Sistema DOF (documento de origem florestal). Qualquer irregularidade constatada, o DOF é bloqueado.
Ibama
Já o superintendente do Ibama, Mário Lúcio Reis, reconhece que há muita irregularidade ambiental no sul de Lábrea. “Nossa operação multa e apreende, mas esses conflitos continuam. E muitas vezes, quando mais a gente intensifica mais as ameaças contra os líderes aumentam. Os madeireiros atrelam as nossas ações às denúncias feitas pelas lideranças camponesas”, diz Reis.
Ele afirma que o Ibama “faz a sua parte”, mas que a situação só será resolvida quando os vários entres dos governos estaduais e federais ficarem envolvidos. Ele destacou que a Lei Complementar Nº 140, assinada em dezembro de 2011 pela presidente Dilma Rousseff, retirou o poder de fiscalizar ações de planos de manejo concedidos pelo órgão estadual.
Na prática, a lei restringiu as áreas de atuação do Ibama, repassando muitas atribuições ao órgão ambiental estadual que, até o momento, ainda está se estruturando para intensificar suas operações.
Segurança
A Secretaria de Segurança Pública do Amazonas (SSP) enviou nota oficial, por meio de sua assessoria de imprensa. Por questões de espaço, apenas alguns trechos serão publicados.
Na nota, a SPP diz que “o Governo do Amazonas está atento e interessado em garantir a ordem e a segurança das populações amazonenses que habitam essa região”. Conforme a nota, “à SSP foi determinado levantamento completo da situação de conflito e criminalidade nos municípios de Humaitá, Manicoré, Boca do Acre e Lábrea e suas comunidades. O estudo já está pronto e hoje orienta as ações em curso”.
A SPP diz que “todas as denúncias que chegam ao conhecimento das polícias do Amazonas são apuradas, como comprovam os vários inquéritos e processos instaurados e a prisão de muitos criminosos”. Diz ainda que “estuda a formalização de um termo de cooperação entre as polícias do Amazonas, Acre e Rondônia para uma atuação conjunta contra os crimes na região e realização de operações integradas de forças estaduais e federais.
Entre as propostas em andamento são citadas as seguintes ações estão o estabelecer um acordo de cooperação mútua entre a SSP/Am, Acre e Amazonas, em razão da área de conflito estar inserida nestes três Estados e a instalação de um posto integrado de fiscalização da Polícia Rodoviária, Polícia Federal, Ibama, Receita Federal na BR-364 para prevenção de crimes ambientais, extração de madeira e outros.
A nota diz ainda que “quanto à questão da segurança pessoal e individual de quem afirma ter sido ameaçado, as polícias Militar e Civil realizam rondas constantes em torno de quem é ameaçado por terceiros, como é o caso de José Maria Carneiro, residente no município de Lábrea e presidente da Associação dos Produtores Agroextrativistas do Ituxi”.
Manejo
A CPT diz que um dos maiores problemas identificados na extração ilegal dos produtos florestais está na falta de fiscalização da aplicação das licenças para manejo. Muitos madeireiros conseguem a licença para uma determinada área mas ultrapassam os limites, chegando nas reservas protegidas ou de assentamentos. “Por isso que a gente diz sempre que os planos servem para legalizar a retirada de madeira. Não há fiscalização por parte do Ipaam”, comentou.
Em 2011, a CPT elaborou uma lista de ações emergenciais envolvendo diferentes órgãos para o sul de Lábrea, entre elas a intervenção federal nas áreas de conflitos abrangendo o sul do Amazonas e áreas territoriais do Acre e Rondônia diretamente envolvidos nos conflitos.
O plano pede o deslocamento da estrutura policial no PAF Curuquetê, Gleba Iquiri, PDS Gedeão no sul de Lábrea para exercer ações coercitivas contra madeireiros, extratores de madeira, grileiros, invasores e, sobretudo, os pistoleiros já identificados pelas lideranças ameaçadas.
Incra precisa manter presença permanente na área com a construção de uma Unidade fixa; vistoria do PDS diante da existência de irregularidades.
Entre as irregularidades estão desmatamentos, venda de lotes, retirada ilegal de madeira, créditos fornecidos para cadastrados que não possuem terra, entre outros.
Que o Programa Terra Legal cancele cadastros de laranjas e grileiros e cancelamento do georreferenciamento por ter sido realizado “acompanhado” por pistoleiros.
Diante da ausência do Órgão Ambiental do Estado do Amazonas, Ipaam, que o Ibama assuma a fiscalização no sul de Lábrea.