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terça-feira, 21 de julho de 2015

CORUMBIARA, CASO ENTERRADO

Massacre ou batalha? A história mal contada de um dos piores conflitos agrários do Brasil ganha uma nova chance de se conciliar com a realidade. O encontro entre um fazendeiro alimentado pela ditadura, um governador que se recusa a prestar contas e grupos que se digladiam pela versão final sobre as doze mortes ocorridas em 9 de agosto de 1995 em Rondônia. O lançamento Foi em 20 de julho, em São Paulo,você já pode reservar seu exemplar para envio a qualquer parte do Brasil. 




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segunda-feira, 20 de julho de 2015

Caros Amigos Corumbiara, Caso Enterrado

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Massacre em Rondônia terminou com fazendeiro e comandante livres; Brasil ignora até hoje apelo da OEA por novo julgamento
Por João Peres* 
Rondônia é a tragédia da história como repetição. Instituições lentas e corruptíveis, desigualdade social e fundiária e patrimonialismo têm resultado em um caldo de violência que diariamente desemboca em ameaças, mortes e, causa ou consequência, impunidade e esquecimento. O chamado “massacre de Corumbiara”, ocorrido em 1995 no Sul de Rondônia, teve oficialmente doze vítimas e foi um abre-alas do que o País assistiria nas décadas seguintes em conflitos por reforma agrária. Em 2012, o estado roubou do Pará, pela primeira vez, o topo da lista de mortes por disputa de terras – nove, segundo a Comissão Pastoral da Terra (CPT).

"Têm início uma série de incentivos para que grandes empresários do eixo Sul-Sudeste se desloquem para imensas porções de terra na região, algumas maiores que países europeus, e começam obras de infraestrutura, em especial rodovias, que cortam a floresta, ignorando se ali havia indígenas, ribeirinhos e seringueiros"

Pouco antes, Adelino Ramos, o Dinho, foi assassinado na tensa Vista Alegre do Abunã, distrito da capital Porto Velho, à luz do dia, na presença da mulher e de duas filhas pequenas, por denunciar um esquema de corte ilegal de madeira na nova frente de expansão sobre a floresta. O laudo sobre a morte é lacônico: assinado por uma pediatra, fala em perda de sangue, sem menção às balas alojadas em seu corpo. Na Polícia Civil, a investigação não seguiu adiante por falta de funcionários e o rapaz suspeito de ser o responsável pelos tiros foi liberado e morto, o que levou ao arquivamento do caso sem que se chegasse aos mandantes.
Ocupações
O crime contra Dinho não foi um a mais. Na década de 1990, ele comandou movimentos de ocupação no Sul rondoniense. Era o presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Corumbiara quando os sem-terra se articularam para ocupar a Fazenda Santa Elina, e uma das pessoas que se destacavam na organização do acampamento era seu filho, Claudemir Gilberto Ramos. A notícia corrente na área era de que o latifúndio de 14 mil hectares seria destinado a reforma agrária, fator de convencimento para que 600 famílias, pouco mais de duas mil pessoas, se arriscassem a ocupar.
Na tarde de 8 de agosto de 1995, antes que o acampamento completasse seu primeiro mês, comandantes da Polícia Militar foram ao local negociar a reintegração de posse. Entrevistas gravadas e transcritas mostram que o então major José Ventura Pereira, à frente das conversas, despediu-se naquela noite dizendo que tentaria novas conversas antes de proceder à entrada forçada. Mas, de madrugada, deu início à operação, que resultou em troca de tiros. Pela manhã, com os sem-terra dominados, os policiais deram início a uma sessão de torturas, execuções sumárias e humilhações de toda ordem.
Novo Oeste
Rondônia é o Novo Oeste brasileiro e confina histórias dignas de um “old wild west”. Seu vasto território é o retrato de como a ação do Estado pode agravar tragédias humanas. Assustado com a seca no Ceará em 1966, o comando da ditadura volta os olhos à abundância hídrica da Amazônia. Em paralelo ao estímulo ao êxodo, têm início uma série de incentivos para que grandes empresários do eixo Sul-Sudeste se desloquem para imensas porções de terra na região, algumas maiores que países europeus, e começam obras de infraestrutura, em especial rodovias, que cortam a floresta, ignorando se ali havia indígenas, ribeirinhos e seringueiros.
Em uma faixa de cem quilômetros às margens das estradas, as terras disponíveis da União deveriam ser destinadas à reforma agrária, e não tardou para que corresse a notícia de que a vastidão amazônica escondia um paraíso com terra disponível para agricultura, onde ninguém seria obrigado a passar fome. Entre 1970 e 1984, o território rondoniense recebeu 12 projetos de colonização que assentaram 42.900 famílias em 3,6 milhões de hectares. No mesmo intervalo, a população do estado passou de 100 mil para 610 mil pessoas – hoje, são 1,5 milhão.
“O camarada ia para lá achando que tinha igreja, escola, saúde. Chegava, não tinha nada”, recorda o padre Sebastião Batista Viana, que foi missionário na região de Vilhena, uma capital informal da região sul. “No final era mais complicado, aí na cidade foram chegando mais pessoas. Se fosse esperar o Incra arranjar, ia demorar. Melhor entrar e o Incra depois arruma a ocupação.”
Massacre
Foi nesse caldo de inação governamental que os sem-terra sentiram a necessidade de se organizar. E foram parar na Santa Elina. Naquela manhã de 9 de agosto de 1995, pelo menos nove deles acabaram mortos. Deitados no chão, os homens foram pisoteados pelos próprios companheiros. Mulheres, segundo relatos, sofreram violência física e humilhações de conotação sexual.
Nos dias seguintes, os sobreviventes passaram a ser submetidos a depoimentos. “Os agricultores eram ouvidos pela Polícia Civil, mas a finalidade era corumbiara Capa Livropegar os dados para que fossem processados. A intenção não era saber se foram machucados. A intenção era processar as vítimas e as famílias das vítimas”, recorda o advogado Paulo César Lara, que representou a CPT no caso.
A acusação pelo Ministério Público Estadual, levando em conta esse relatório e o inquérito da PM, envolvida direta nos crimes, resultou na acusação de quatro camponeses, entre eles Adelino e Claudemir. Segundo a versão do promotor Elício de Almeida e Silva e do procurador José Viana Alves, os líderes do acampamento não permitiam que os sem-terra deixassem o local. A acusação diz ainda que Claudemir e seus comparsas causaram ferimento a 92 trabalhadores rurais, incluído o irmão dele e outras três testemunhas que refutaram essa possibilidade.
Mandante e Policiais
No rol de réus estavam também 20 policiais militares e o fazendeiro Antenor Duarte do Valle, proprietário de terras vizinhas à Santa Elina, acusado de ser o mandante do crime e de ter oferecido presentes a pistoleiros e agentes públicos. Enquanto Adelino e Antenor conseguiram se livrar, Claudemir foi levado ao júri realizado em 2000 em Porto Velho. Acabou condenado a oito anos e meio de prisão, e o companheiro dele, Cícero Pereira Leite Neto, a seis anos e quatro meses. Desde que a sentença transitou em julgado, em 2004, pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), Claudemir é oficialmente um foragido.
A questão foi remetida à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), que disse não poder enviar o caso à Corte Interamericana porque massacre, acusação e sentença se deram antes da entrada do Brasil no sistema regional. Porém, a entidade da Organização dos Estados Americanos (OEA) avaliou que o caso estava repleto de ilegalidades, entre eles a investigação promovida pela Polícia Militar, e cobrou novos apuração e julgamento.
Sem que a recomendação fosse levada a sério, em 2011 Claudemir se apegou a uma nova esperança: o Projeto de Lei número 2.000, apresentado pelo deputado João Paulo Cunha (PT-SP), que visa a anistiar os dois sem-terra. Por sugestão da família, foram incluídos entre os possíveis anistiados os policiais militares condenados pelo caso – os soldados Daniel da Silva Furtado, 16 anos de reclusão, Airton Ramos de Morais, 18 anos, e o tenente Vitório Regis Mena Mendes, comandante da operação e acusado de receber presentes de Antenor Duarte, 19 anos e meio. O texto passou pela Comissão de Constituição e Justiça e empacou na fila de votações do plenário, de onde dificilmente sairá.

Serviço
Lançamento “Corumbiara, Caso Enterrado” - Editora Elefante
Data e horário: nesta segunda (20), às 19h
Local: Ateliê do Gervásio, Rua Conselheiro Ramalho, 945. Bixiga, São Paulohttp://www.carosamigos.com.br/index.php/cultura/5171-corumbiara-caso-enterrado

O massacre de Corumbiara desenterrado: três lados da verdade

GIL ALESSI São Paulo
Livro de João Peres examina o primeiro grande conflito fundiário do período democrático do Brasil. Reintegração de posse deixou 12 mortos

sábado, 18 de julho de 2015

Autor de livro sobre Massacre de Corumbiara diz: “Há questões não respondidas” João Peres concedeu entrevista ao FOLHA DO SUL ON LINE


 
O jornalista paulista João Peres, numa das viagens que fez a Rondônia, acabou tendo contato com uma das mais tristes histórias da Amazônia: o Massacre de Corumbiara, ocorrido no dia 9 de agosto de 1995. No livro que escreveu sobre o caso, “Corumbiara, caso enterrado”, o autor, com um estilo de grande reportagem, desvenda os atores principais do conflito: a massa de trabalhadores rurais sem terra, a omissão do então governador Valdir Raupp (PMDB, hoje senador) e a atuação lenta dos organismos judiciais.

Nesta entrevista ao FOLHA DO SUL ON LINE, concedida por e-mail, o autor de “Corumbiara, caso enterrado” , que será lançado pela Editora Elefante no dia 20 deste mês, fala das influências que o levaram a escrever o livro, sobre a situação agrária em Rondônia à época e também dá uma opinião sobre a militância petista no município corumbiarense, que na época do massacre estava profundamente envolvida com a questão fundiária.

O que te motivou a escrever o livro?
No começo de 2011, fui escalado para entrevistar um rapaz condenado pelo caso de Corumbiara. Trabalhava na Rede Brasil Atual e a verdade é que sabia muito pouco, quase nada sobre esse caso. Claudemir Gilberto Ramos era um dos líderes do acampamento organizado entre julho e agosto de 1995 por famílias sem-terra do sul de Rondônia. Ele se recusava (ainda se recusa) a cumprir a pena de oito anos e seis meses de prisão por considerá-la injusta.
Fizemos a entrevista. Mantive contato com pessoas próximas a ele. No começo de 2013, ele havia decidido se entregar, mas, depois, como de outras vezes, desistiu da ideia. Voltei a estudar o assunto e decidi ir a Rondônia. Inicialmente, a ideia era fazer um livro sobre o perfil dele. É uma história forte: saiu do acampamento na Santa Elina extremamente machucado, foi acusado, teve divergências dentro dos movimentos dos quais foi parte, acabou condenado e fugiu. Mas, no decorrer da apuração, notei que o melhor seria fazer um livro-reportagem.
Primeiro porque seria um risco apostar numa história individual de uma pessoa que está viva, que tem interesses por defender. Segundo porque acabei tomando contato com outras trajetórias individuais e coletivas muito interessantes. Então, pareceu-me que o formato de livro-reportagem seria o mais adequado. Para minha surpresa, não havia quase nada publicado sobre um episódio tão importante. Era uma lacuna a ser preenchida. Como tenho dito, o livro não dá resposta a todas as questões, longe disso, mas tenta oferecer versões diferentes sobre um caso relevante para Rondônia e para o Brasil pós-ditadura.

Como você teve contato com esse tema, uma vez que é de outra região do país?
Por essa razão que te mencionei acima. Sou de São Paulo e havia ido a Porto Velho apenas uma vez, para um trabalho sobre o presídio de Urso Branco para a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República. Como quase todos os moradores de regiões distantes, pensava na Amazônia como uma grande floresta, estática, sem elementos humanos. Foi um prazer descobrir como minha visão era fruto de absoluta ignorância sobre a extrema heterogeneidade da região. Se a gente fizer um recorte apenas em Rondônia, verá situações sociais, políticas, econômicas e naturais muito diferentes. Foi uma descoberta gratificante.

Como era a situação agrária de Corumbiara na época do massacre. Alguns dizem que os sem-terra “invadiram” terra particular. O que o senhor diria sobre isso?
Corumbiara tinha uma situação similar à de todo o Cone Sul. Havia duas situações diferentes – e claramente conflitantes. De um lado, donos de áreas enormes de terras doadas durante a ditadura, empresários de todos os ramos que enriqueceram graças a essas concessões. De outro, pessoas de baixa renda que migraram de todo o país, em especial do Sul e do Nordeste, em busca de uma terra. Foi a propaganda governamental que levou tanta gente a disputar estes espaços em Rondônia.
Na década de 1980, à medida que cada vez mais gente chegava e não encontrava terra, as ocupações foram crescendo. Há muitos casos de violência já nessa época, mas pouca coisa está oficialmente registrada, o que torna impossível contabilizar o número de mortes. Essas ocupações foram ficando organizadas e começaram a ter êxito.
Entre o final da década de 1980 e o começo da década de 1990, o pessoal que formaria o grupo de líderes da ocupação da Santa Elina conseguiu algumas vitórias importantes no Cone Sul. Isso certamente ajudou na divulgação da nova empreitada, que foi muito bem articulada. Alguns posseiros contam que havia dezenas de pessoas trabalhando no convencimento de famílias para que entrassem na Santa Elina. A terra fértil e o tamanho da fazenda fizeram o resto do trabalho: muita gente se dispôs a participar da ocupação. 

O desfecho do caso é considerado satisfatório?
Não. Pelo contrário. Há muitas questões não respondidas. Começando pelo âmbito federal, em 2004 a Comissão Interamericana de Direitos Humanos pediu que o Brasil realizasse novos apuração e julgamento. Isso nunca foi feito. Seguiu-se o trâmite judiciário normal, sem uma atuação decisiva nem do governo FHC, nem do governo Lula.
Em termos de apuração, nunca ficou claro qual o grau de conhecimento com que contava à época o governador Valdir Raupp. Os inquéritos das polícias Civil e Militar não chegaram a uma conclusão a respeito e o Ministério Público tampouco avançou nesta seara. Partiu do governador a ordem para a execução do mandado de reintegração durante a madrugada, de forma atabalhoada? Por que o comandante da operação, major José Ventura Pereira, despede-se na noite do dia 8 dizendo que tentará novas rodadas de negociação, mas na madrugada seguinte leva a cabo a ação policial? Mesmo em relação ao secretário de Segurança Pública e ao comandante-geral da PM, não há respostas. Só se chegou ao comandante da operação, que saiu absolvido.
O julgamento, realizado em 2000 em Porto Velho, é outra questão que não foi resolvida. Há policiais absolvidos em situação muito parecida à dos que foram condenados. Há resultados contraditórios. Sem-terra condenados pela mesma situação receberam penas diferentes. A fala do promotor Tarcísio Leite Mattos, dizendo que o processo só tinha merda e fazendo ameaças aos jurados, poderia ter levado à anulação de todos os júris. Isso foi fundamental no resultado final, mas acabou desconsiderado nos recursos apresentados ao Tribunal de Justiça e ao Superior Tribunal de Justiça. O próprio Ministério Público defendeu a convocação de um novo júri. 

A luta por terra em Corumbiara está ligada, de alguma forma, ao PT no município da época? Se sim, você acha que o partido teve alguma influencia no município, mesmo nunca chegando ao cargo de titular na prefeitura?
Esta é uma questão complexa. O PT teve influência, sem dúvida, em vários aspectos relacionados a Corumbiara.
Falando de forma mais ampla, a fundação do partido está ligada às articulações da Igreja Católica, que resultam na criação do MST e são decisivas para a abertura da Central Única dos Trabalhadores. Então, até a chegada ao governo Lula pode-se dizer que o PT foi muito atuante nas questões agrária e sindical. Como partido, provavelmente foi o único a desempenhar esse papel do ponto de vista dos sem-terra.
Naquele momento, praticamente todos os que militavam nessa questão estavam ligados ao PT, formal ou afetivamente. Na questão específica da Santa Elina, havia políticos petistas atuando no suporte aos ocupantes. O caso mais conhecido é o do vereador Manoel Ribeiro, o Nelinho, assassinado pouco depois, possivelmente a mando de fazendeiros. Ele esteve na área antes. Soube que alertou os líderes da ocupação sobre o perigo iminente.
Outra pessoa bastante participativa na questão foi o então deputado estadual Daniel Pereira, hoje vice-governador. Ele é de Cerejeiras e era um dos dois parlamentares do PT na Assembleia Legislativa. Era muito natural que apoiasse a questão, como de fato o fez.
É curioso que o PT não tenha atingindo o comando do Executivo em Corumbiara. Talvez a morte de Nelinho tenha dificultado essa questão. É difícil prever o que poderia ter ocorrido. De todo modo, numa cidade em que a maioria das famílias é assentada ou dona de pequena propriedade, seria de se esperar um desempenho melhor do partido em termos eleitorais.

Você acha que esse caso tenha passado alguma lição à história agrária na Amazônia?
Podemos olhar essa questão sob duas perspectivas. Depois deste caso e do de Eldorado do Carajás, no ano seguinte, houve a articulação de uma série de ações para evitar que episódios deste porte se repetissem. O governo federal passa a ser mais atuante, há um trabalho para criar instâncias de intermediação que tirem da Polícia Militar a obrigação de promover o diálogo com posseiros. Isso foi um ganho, sem dúvida. Mas todo este processo institucional é extremamente frágil e limitado pela falta de recursos.
Na outra ponta, se formos olhar os dados sobre conflitos agrários, veremos que os estados da Amazônia estão sempre na liderança. Rondônia chegou a roubar do Pará o topo da lista elaborada pela Comissão Pastoral da Terra. São dois estados em que a ação governamental foi contraditória, o que nos volta ao ponto que tratamos acima: cria-se um quadro em que há, de um lado, incentivo à concentração fundiária e, de outro, pessoas excluídas do acesso à terra. Neste aspecto, houve pouco avanço em qualquer dos governos que tivemos de lá para cá (FHC, Lula, Dilma). Há, pelo contrário, vários momentos de retrocesso, como nos recentes incentivos aos megaprojetos hidrelétricos, que já fazem demonstrar seus efeitos sobre a alta do desmatamento e a expulsão de famílias afetadas.

Da reportagem: a foto desta reportagem é de Gerardo Lazzari, tirada em 2013, em Theobroma, Rondônia



Fonte: Folha do Sul 
Autor: Rildo Costa

Autor de livro sobre Massacre de Corumbiara diz: “Há questões não respondidas” João Peres concedeu entrevista ao FOLHA DO SUL ON LINE

quarta-feira, 15 de julho de 2015

A Repórter Brasil divulgou hoje um dos pedaços picantes de Corumbiara, caso enterrado

O jornalista João Peres passou 4 anos investigando uma das mais violentas ações de reintegração de posse do Brasil que deixou 12 mortos em Rondônia, o resultado é o livro “Corumbiara, caso enterrado”, estreia da Editora Elefante.
A Repórter Brasil adianta um dos capítulos mais quentes do livro. "Bem-vindo à Antenorlândia" investiga Antenor Duarte, suspeito de haver sido o mandante do massacre e, por três anos, um dos destaques das listas sujas do trabalho escravo.
O autor reconstrói o clima de medo e exploração em que viviam os trabalhadores da fazenda de Antenor, as investigações sobre violências contra índios isolados que viviam na região e o surpreendente crescimento econômico do fazendeiro. Segundo os cálculos do livro, Antenor tem hoje 93 mil hectares de terras – área maior do que 14 capitais brasileiras, como Belo Horizonte, São Luís, Salvador, e Porto Alegre.

Leia aqui o capítulo "Bem-vindo à Antenorlândia é só clicar no link": http://goo.gl/uUi2T8

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CORUMBIARA: JORNALISTA RELATA EM LIVRO UM DOS MAIORES CONFLITOS DE TERRA NA AMAZÔNIA



O jornalista João Peres (camisa branca) entrevista camponeses do assentamento Santa Elina. (Foto: fotógrafo Gerardo Lazzari)
O jornalista João Peres (camisa branca) entrevista camponês do assentamento Santa Elina. (Foto: Gerardo Lazzari)

Leia abaixo a entrevista de João Peres:
Amazônia Real – O que levou você a aprofundar o tema do caso de Corumbiara?
João Peres – No começo de 2011, como repórter na Rede Brasil Atual, fui escalado para entrevistar um rapaz condenado pelo caso conhecido como ‘massacre de Corumbiara’. Claudemir Gilberto Ramos era um dos líderes do acampamento organizado entre julho e agosto de 1995 por famílias sem-terra do sul de Rondônia. Ele se recusava (ainda se recusa) a cumprir a pena de oito anos e seis meses de prisão por considerá-la injusta.
Claudemir e Cícero Pereira Leite Neto foram apontados pelo Ministério Público como responsáveis pela morte de dois policiais durante a tentativa de reintegração de posse, entre a madrugada e a manhã de 9 de agosto de 1995. No total, são doze mortos, segundo os números oficiais, com nove sem-terra, os dois PMs e um rapaz não identificado, possivelmente um pistoleiro.
Aquela primeira entrevista me deixou uma série de questões. Eu não conhecia muito sobre o caso do massacre de Corumbiara, o que foi um primeiro ponto: por que aquele episódio tão importante era tão pouco falado? Dois anos depois, Claudemir me avisou que pensava em se entregar, ideia da qual foi demovido por pessoas próximas. De todo modo, senti que precisava ir a Rondônia entender melhor essa história. É aí que tudo começa.
Amazônia Real – Você já tinha conhecimento anterior sobre os problemas de conflitos de terra nesta parte da Amazônia?
João Peres - Muito pouco. Havia ido a Porto Velho uma vez, a trabalho, em 2010. Este é um dos pré-conceitos que tive de deixar para trás: daqui de São Paulo, quem não conhece a Amazônia tende a desconsiderar a enorme heterogeneidade existente nessa região. É como se tudo fosse uma grande floresta, estática, sem pessoas. Durante as andanças por Rondônia, de norte a sul, pude entender as diferenças climáticas, políticas, sociais e econômicas.
Dos conflitos, sempre tinha contato pela lista elaborada todos os anos pela Comissão Pastoral da Terra. Mas, no fim, eram apenas números, que cresciam ou se reduziam de acordo com questões conjunturais. Não conhecia a complexidade envolvida em cada espaço em que há algum tipo de conflito agrário.
Amazônia Real – Quais foram os fatos novos, diferentes nuances e abordagens, por exemplo, que sua pesquisa acrescenta e que são encontrados no livro?
João Peres - Tenho dito que o principal papel do livro é sistematizar as informações e apresentá-las de uma maneira que busca respeitar a inteligência do leitor. Há poucos trabalhos sobre o caso de Corumbiara, e o motivo para essa escassez é uma das questões que tento explicar ao longo do trabalho. O que fiz, basicamente, foi buscar representar os vários pontos de vista possíveis em torno do assunto. Isso resultou na escolha de não tratar o caso como “massacre”. Pode parecer algo tolo, mas foi importante para mostrar às pessoas envolvidas que estava disposto a preservar a verdade delas sobre essa questão, sem adotar uma postura previamente favorável a qualquer dos lados. Entre os sem-terra, mesmo, há grupos que divergem: o que ocorreu foi um massacre ou uma batalha? E, claro, os policiais não aceitam a ideia de massacre. O Ministério Público fala em chacina, algo que é inegável.
Ter tomado essa postura mais respeitosa com a diversidade de opiniões não significa fazer um livro sem tempero, sem lado. Por exemplo, há um personagem central dessa narrativa que é um fazendeiro que ganhou 43 mil hectares da ditadura. Não é possível considerar normal que este senhor, chamado Antenor Duarte do Valle, que não era o dono da área ocupada, tenha o direito de pressionar o comandante da operação na fazenda Santa Elina, o comandante da Polícia Militar e o governador, assim como não se pode banalizar o fato de que ele contratou pistoleiros para atuar na reintegração de posse.
Amazônia Real – O que mais lhe chamou atenção do caso Corumbiara em relação a conflitos fundiários ocorridos em outras regiões do país?
João Peres - Há um certo esquecimento sobre o caso de Corumbiara. A questão agrária no Brasil como um todo perdeu muita força nestas duas primeiras décadas do século 21. Ainda assim, o grau de ignorância sobre os fatos ocorridos na Santa Elina parece mais profundo, se considerarmos o tamanho da questão em número de mortos e de perguntas não respondidas.
O que pude concluir é que há alguns motivos para que isso ocorra. Um problema central reside no fato de os sem-terra que ocuparam a fazenda não pertencerem a nenhum movimento organizado. Depois do caso, eles receberam vários convites, é claro, mas à época estavam desconectados de qualquer instituição com mais peso. É diferente de Eldorado do Carajás, em que o MST teve alguma força para construir sua narrativa por meio de trabalhos acadêmicos e jornalísticos.
Outro ponto é a distância em relação a grandes centros, e nisso o caso se parece com outros. Temos de considerar que Corumbiara é bastante distante de Porto Velho e muito distante de centros mais bem abastecidos em termos de veículos jornalísticos. Ainda que Rondônia seja servida por rodovias, e essa é uma particularidade que faz toda a diferença, para o bem e para o mal, é preciso viajar durante um dia inteiro para sair da capital e ir até a cidade. Considerando a situação do jornalismo brasileiro nas últimas duas décadas, em especial na era da internet, este é um fator limitador. Custa caro, muito caro se deslocar por essas áreas. E leva tempo.
Amazônia Real – Descreva como foi seu trabalho em Rondônia para a pesquisa do livro? O que chamou atenção, sentiu algum temor, alguma ameaça?
João Peres – Um dos aprendizados envolvidos nessa história foi aquela questão da heterogeneidade de Rondônia, que contei acima. Ter compreendido que cada lugar guarda uma história de formação população, um clima diferente, uma terra, uma trajetória de violência foi um aprendizado e tanto.
Na questão cultural, foi muito importante o processo de entender que há uma diferença enorme na relação com o tempo. Todo mundo, em qualquer lugar do Brasil, sabe que a sociedade de São Paulo é pilhada, estressada, neurótica, está sempre correndo, na maior parte das vezes sem um por quê. Logo nas primeiras entrevistas em Rondônia notei que esse conceito, típico de uma sociedade industrial, tinha de ficar para trás. Foi preciso me adaptar, ver que não podia cumprir com um número grande de entrevistas por dia, que tinha de aceitar que alguns dias eram “perdidos” do ponto de vista de apuração porque era preciso respeitar o tempo daquelas pessoas, esperar que estivessem prontas para falar.
Em termos de tensão, destacaria o contrário disso na relação com os policiais. Na primeira das duas vezes que fui a Vilhena, onde atua a maior parte dos agentes envolvidos no caso da Santa Elina, estava muito apreensivo. Não sabia o que esperar. No fim, foi frustrante me deparar com a indiferença de muitos deles. Não que eu estivesse com vontade de celebrar a tensão, longe disso, mas não contava com a ideia de que prefeririam manter tudo enterrado, receosos de levantar a poeira em torno dessa questão. Imaginava que teriam mais disposição em defender seus pontos de vista e, no entanto, acabei me deparando com uma grande indiferença. Fiz todos os esforços para tentar convencê-los de que seria fundamental que falassem a respeito, mas foi inviável.
Amazônia Real – Você conheceu o Adelino Ramos?  Planejava alguma entrevista com ele?
João Peres - Conversei com Dinho uma vez, mais ou menos um mês antes da morte. Foi uma conversa por telefone, muito rápida, porque ele morava numa região em que era raro conseguir sinal de celular. Aquela entrevista foi insuficiente para me dar conta de que ele estava correndo um risco tão grande. Pudemos falar muito brevemente sobre umas poucas questões. Não planejava nenhuma matéria sobre o assunto.
No dia em que ele foi morto, me ligaram. Pediram que eu tentasse confirmar a informação. Liguei para o hospital e recebi a notícia, que tive de repassar para a família. Foi muito marcante. Depois, pude visitar o local em que ele foi morto, mas, em termos de informações, resultou frustrante: a maior parte das pessoas tinha muito medo de falar qualquer coisa.
Amazônia Real – Apesar de ter saído da mídia, os conflitos fundiários naquela parte de Rondônia e no sul do Amazonas permanecem.  O PAF Curuquetê, por exemplo, está esvaziado. Você continua acompanhando a situação dali?
João Peres - Não acompanhei mais a situação. Soube por algumas pessoas a respeito desse esvaziamento do Curuquetê. Nunca fui ao local, mas, pelas informações vindas de várias frentes, era um local ermo, de difícil acesso, num calor terrível, um solo pobre.
Na atualidade, não tenho uma opinião sobre isso. O que mais me chamou atenção foi a rapidez com que o caso foi arquivado depois da morte do rapaz apontado como responsável pelo assassinato de Dinho. Quando Osias Vicente foi liberado, era de se esperar que se cumprisse o roteiro clássico. Se eu, a essa distância geográfica da história, podia prever o desfecho, é evidente que os operadores do Direito envolvido também tinham condições de saber o que ocorreria.
Amazônia Real – Em relação ao livro, como será o lançamento? Planeja lançar, futuramente, também em Rondônia?
João Peres – A gente tem intenção de lançar em Rondônia. Mas precisamos viabilizar duas questões. Uma, os recursos, porque a editora é independente e trabalha para, com sorte, reduzir a margem de prejuízo. Ou seja, uma viagem a Porto Velho representaria um aumento nesta margem. De outro lado, a gente pretende viabilizar esta ida à capital e a Vilhena, na região de Corumbiara, com o apoio de alguma organização da sociedade civil.
Porteira da Fazenda Santa Elina, na atualidade. (Foto: fotógrafo Gerardo Lazzari)
Porteira da Fazenda Santa Elina, na atualidade. (Foto: Gerardo Lazzari)


Escola Santa Elina, da Liga dos Camponeses. (Foto: Gerardo Lazzari)Escola Santa Elina, da Liga dos Camponeses. (Foto: Gerardo Lazzari)
No dia 9 de agosto de 1995, a reintegração de posse de famílias sem- terra da fazenda Santa Elina, no município de Corumbiara, região leste de Rondônia, resultou em um dos conflitos agrários mais violentos  e de maior repercussão do país. 
O episódio ficou conhecido como “Massacre de Corumbiara”, pois no confronto morreram vários camponeses. Esta história volta a ser contada sob diferentes olhares de quem acompanhou os desdobramentos do conflito no livro de “Corumbiara, caso enterrado”, do jornalista João Peres e do fotógrafo Gerardo Lazzari. O livro será lançado no próximo dia 20, pela Editora Elefante.
Em seu  livro, o jornalista refaz os principais momentos do conflito, ouvindo sobreviventes e identificando diversidades de opiniões sobre o assunto. Apesar da repercussão na época, há um grande esquecimento sobre Corumbiara, na avaliação do jornalista João Peres, de São Paulo, que desde 2011 vem realizando uma pesquisa aprofundada sobre este caso.
“Há um certo esquecimento sobre o caso de Corumbiara. A questão agrária no Brasil como um todo perdeu muita força nestas duas primeiras décadas do século 21. Ainda assim, o grau de ignorância sobre os fatos ocorridos na Santa Elina parece mais profundo, se considerarmos o tamanho da questão em número de mortos e de perguntas não respondidas”, disse João Peres, em entrevista à agência Amazônia Real.
Na violenta operação de reintegração da fazenda Santa Elina, morreram nove camponeses e dois PMs, segundo a pesquisa feita pelo jornalista.
Em maio de 2011, o assassinato de Adelino Ramos, um dos sobreviventes de Corumbiara, recuperou a sombra daquele triste capítulo da história da luta agrária no país. Adelino havia sido uma das principais lideranças da ocupação da fazenda Santa Elina. Anos depois, ele conseguiu junto com outros agricultores um pedaço de terra no sul do Amazonas: o Projeto de Assentamento Florestal Curuquetê, no município de Lábrea. Dinho, como era chamado, continuou incomodando fazendeiros e grileiros, denunciando desmatamento e invasão de unidades de conservação e de terras indígenas. Recebia muitas ameaças. Ele foi assassinado em dia 27 de maio de 2011.
O jornalista João Peres cobriu eleições, consultas populares e momentos de crise no Brasil, na Argentina, na Venezuela, na Colômbia e na Bolívia. No interior do país, fez reportagens sobre direitos humanos, agricultura, agrotóxicos e relações de trabalho. Em 2010, recebeu menção honrosa no Prêmio Direitos Humanos de Jornalismo, promovido pela OAB-RS, pelas reportagens sobre o trabalho de dom Paulo Evaristo Arns contra a ditadura. 
O argentino Gerardo Lazzari trabalhou como repórter-fotográfico para diferentes veículos de imprensa da Argentina e do Brasil.  Registrou inúmeros eventos de relevância jornalística, como eleições presidenciais (Argentina, Uruguai, Bolívia, Brasil), eventos esportivos e reportagens sobre os cocaleiros da Bolívia, a cultura gaúcha, a vida dos produtores de tabaco e, recentemente, o conflito de Corumbiara, entre outros. 
O livro “Corumbiara, caso enterrado” está disponível para compra pela internet, no site da editora. O valor é de R$ 30, mais frete de R$ 7 para qualquer lugar do país
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